15/06/2008
Mangueira se despede de Jamelão
São Paulo, 15 de Junho de 2008 - Jamelão era o mais antigo intérprete de samba-enredo do País e é o mangueirense em atividade há mais tempo, desde os anos 20, quando chegou adolescente ao Morro de Mangueira, na zona norte do Rio. Ontem, de luto, a escola cancelou uma feijoada que ocorreria durante à tarde na quadra, remarcando o evento para a semana que vem, agora como um tributo ao seu maior intérprete. O governador Sérgio Cabral decretou luto oficial de três dias . "Era o grande símbolo da garra mangueirense", afirmou, em nota oficial.
A voz marcante, que eternizou sambas-enredo campeões, foi lembrada por amigos. "O samba perdeu a maior voz de todos os tempos", disse o cantor e compositor Monarco. "Ele era a voz negra do país, a voz mais bonita do Brasil e o maior cantor do Brasil", lamentou a cantora Beth Carvalho. "Foi um dos maiores cantores deste país, era uma escola, todos os grandes cantores tinham admiração por ele", acrescentou o compositor e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho.
"Para mim, se Jamelão não tivesse uma carreira tão ligada à escola de samba ele teria um reconhecimento muito maior do que teve. O samba, até por questões de mercado, o deixava meio restrito ao período de carnaval. Mas ele era o maior cantor brasileiro. Assim como se mostrou o maior intérprete de Lupicínio Rodrigues, também foi o maior intérprete de Ari Barroso. Ele imortalizou Folhas Mortas", concorda o compositor Nei Lopes.
Por causa da saúde debilitada, Jamelão já havia se afastado dos desfiles de carnaval. Nos últimos anos, vinha perdendo a memória, reflexo de um acidente vascular-cerebral. "O carnaval do Rio já não era o mesmo sem ele como puxador do samba enredo da Mangueira", disse a cantora nana Caymmi. Jamelão, porém, repudiava o termo "puxador" e preferia ser chamado de intérprete. "Puxador é puxador de corda, puxador de fumo, puxa-saco... Eu sou é intérprete", costumava dizer.
Tinha fama de rabugento, mas era muito querido no mundo da música. "Era do tipo falso mal humorado", corrige Hermínio Bello de Carvalho. "Uma vez nos encontramos no aeroporto Santos Dumont, eu o cumprimentei, mas ele não deu a menor bola. Mais tarde, quando nos encontramos de novo, ele me disse, com um sorriso: E aí, não vai falar comigo?", recorda. "O mal humor do Jamelão era uma forma dele se defender dos chatos, dos aproveitadores", diz Beth Carvalho.
Em outros momentos, demonstrava um lado bem espirituoso. Como na visita do ex-presidente americano Bill Clinton à quadra da Mangueira, em 1997. "Ele está mais feliz que pinto no lixo", brincou Jamelão, deixando de lado o protocolo e a reverência habituais nessas situações.
Responsável pela comissão de frente da Mangueira, o dançarino Carlinhos de Jesus também refuta a fama de ranzinza. "Ele sempre foi muito cordial", disse. "Estávamos na quadra da Mangueira, numa disputa de samba-enredo, lá pelas 4 horas da madrugada. A minha mulher disse que estava com muita fome, mas na quadra não tinha mais nada para comer. O Jamelão escutou, veio até a direção da minha mulher e trouxe um saco de papel de padaria. Dentro tinha um prato de papel com um frango assado recheado de farofa", lembra.
Um dos primeiros a chegar à quadra da Mangueira, onde o corpo seria velado, na tarde de ontem, o compositor Wagner Tiso destacou que Jamelão conseguiu "caminhar com equilíbrio nas diversas áreas da música popular brasileira", lembrando que foi um dos grandes intérpretes de Ari Barroso. "Jamelão foi pioneiro nisso. Tinha uma importância fundamental para a música Popular brasileira desde a época da radio nacional", afirmou.
"Jamelão era um grande mestre. O que ele tinha de fazer, fez muito bem. Um exemplo para quem está no meio do caminho e para quem está começando agora", afirmou o cantor Zeca Pagodinho, também presente na quadra da escola, que está gravando uma música de Jamelão em seu próximo disco. "É uma música dele com o portelense Babu que se chama `Esta melodia. Eu era criancinha e já cantavam isso no Irajá. Era um samba de quadra da Portela, apesar de Jamelão ser mangueirense."
Hermínio Bello de Carvalho recorda-se da disciplina do intérprete, que trabalhou como copista de partituras e estava sempre nos locais dos shows com duas horas de antecedência. "Me lembro de um show em que a deixa para Jamelão entrar era a música Jequitibá (José Ramos/Marcelino Ramos). Ele ficava lá atrás esperando o verso, que dizia o Jequitibá do samba chegou. Ele era o verdadeiro Jequitibá do samba. O jequitibá se quebrou...". (A Tarde)